segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Entrevista da Marina


Marina Silva,
a mantenedora de utopia


A política voltou a ter uma causa. E é uma causa verde. Uma causa pela vida. Essa é a certeza que fica quando se ouve atentamente os argumentos que levaram a senadora Marina Silva a se desligar do PT, partido pelo qual militou mais da metade da sua vida, para se dedicar de corpo, alma e ideologicamente ao desenvolvimento sustentável.

Marina Silva chegou ao Acre na tarde de domingo, menos de uma semana após ter anunciado o desligamento partidário. Foi recepcionada no aeroporto por amigo. À noite, reuniu-se com assessores para falar sobre nova realidade política. Disse para os petistas ficarem à vontade para lhe acompanhar ou não.

Na manhã de segunda-feira, reuniu-se com dirigentes do PV no Acre, gravou entrevista numa emissora de televisão, participou de oração com pastores da Assembléia de Deus e de coletiva no Centro Empresarial Sebrae. Marcou para as 11 horas. Chegou às 11h40.

Em ritmo acelerado, às 14 horas, Marina Silva regressou para São Paulo, onde hoje participa de reunião com empresários.

A senadora começou a coletiva dizendo que não iria repetir o que todos sabiam. Disse que há cerca de 10 anos vem defendendo que o Brasil dê passos estratégicos para a construção de políticas verdadeiramente sustentáveis.

“Temos uma posição privilegiada em relação aos demais países. O Brasil está pronto para liderar esse processo. Não se pode brincar com um país tão promissor”, disse em tom próprio de quem pretende concorrer à Presidência da República.

Esse processo para levar o Brasil trabalhar pelo desenvolvimento sustentável, segundo Marina, deve ser liderado apenas por um partido, mas pelo conjunto da sociedade. Dentro desse propósito que, disse a senadora, há seis meses tomou conhecimento de que o PV estava pensando em fazer uma reestruturação e uma revisão programática.

“Tivemos uma conversa de quatro horas. Pedi que as informações não fossem tornadas públicas, mas vazaram”.

Após essa conversa, Marina fortaleceu a idéia que era preciso enfrentar um novo desafio em sua vida marcada por tantos outros desafios. Não foi fácil, apesar de, há oito anos, de acordo com as suas palavras, já ter compreendido que o PT não era o partido perfeito que um dia acreditara.

“Devemos respeitar a maioria que faz a coisa correta, mas há aqueles que cometeram desvios”.

Marina é uma mulher que funciona por metáfora. Disse que o fato de sair para morar numa outra casa, não quer dizer que vá abandonar as pessoas com quem morou boa parte da sua vida. Sua nova empreitada trata-se de jogar a semente em outra seara.

É um desafio maior, porque, segundo dela, “estamos numa esquina civilizatória e podemos inviabilizar a vida na terra. A casa de todos nós é o planeta”.
Como cresceu essa ex-seringueira, que há 25 anos lutava nos corredores da Universidade Federal do Acre (Ufac) carregando bandeiras bem menores, com o menor preço do Bandejão do Restaurante Universitário e a meia-passagem de ônibus.

Ela tornou-se bem maior do que o seu tempo. É apontada como uma das 100 personalidades que pode salvar o mundo. É uma mulher que ainda acredita ser possível fazer política sempre a favor, nunca contra. Que acredita na força da mudança dos jovens porque a juventude não está comprometida com os velhos conceitos.

“Eu, aos 51 anos, quero ser mantenedora de utopia”.

Para ser mantenedora de utopia que a senadora está um processo de transição partidária. Deve confirmar a entrada no PV no dia 30, em São Paulo. Hoje, se reúne com 19 grandes empresários na capital paulista, um deles é representante da Vale do Rio Doce.

A utopia de Marina é a de muita gente. Pessoas que permanecem na luta e pessoas que partiram. A senadora não esqueceu os companheiros. Olhando para a filha de Chico Mendes, ela disse: “Essa edificação começou com um sonhador chamado Chico Mendes. Talvez Deus tenha me posto nesta situação para devolver à filha dele o que ele me ensinou”. Elenira Mendes não escondeu a emoção.

A senadora acreana demonstra, a cada momento, que é possível tomar caminhos diferentes sem agredir antigos companheiros de caminhadas. É assim que age com Luiz Inácio Lula Silva, de que foi ministra do Meio Ambiente durante cinco anos.

Disse que o presidente deu uma contribuição histórica ao Brasil na política social, mas criticou na questão ambiental. “A política ambiental não foi contemplada na visão estratégica de governo. Esse é um dos fatores que está me pondo ao lado de pessoas que estão dispostas pautarem esse tema”.

O mundo sabe que são reais as possibilidades de ela concorrer á sucessão de Lula, mas, como boa seringueira, prefere enfurnar essa possibilidade por enquanto.

Prefere declarar que a filiação ao PV não está condicionada a uma candidatura à Presidência da República nem de rompimento com o governo federal. Sobre isso, a senadora destacou que vai para um partido que está na base do governo do presidente Lula, em nível nacional, e do governador Binho Marques, em nível estadual.

“Agora, num primeiro turno, todos têm direito de lançar candidatos. Num segundo poderá haver coligações programáticas”.

Marina explicou por que não renunciará. Disse que o seu mandato é da sociedade acreana. Que os votos são de petistas, de membros de outros partidos e de uma maioria sem filiação partidária. A senadora reafirmou que sempre se manteve fiel ao programa de desenvolvimento sustentável do PT.

Se alguém resolver tomar o seu mandato, terá que brigar na Justiça. O recado foi dado.

Sobre uma possível com a ministra-chefe da Casa Civil, Marina limitou-se a responder: “Não vou me colocar no lugar de vítima. Eu defendo os meus ideais. Ela defende os dela. A sociedade brasileira irá saber fazer o julgamento”.

Já no final da entrevista, Marina Silva pôs uma pá de cal em que aposta na divisão da Frente Popular. A senadora não falou pelo PV, mas declarou: “Eu disse ao Jorge Viana, ao Binho e ao Tião Viana que o projeto da Frente Popular está preservado. Vou apoiá-lo de forma unilateral”.

Quando concorreu pela primeira vez ao Senado em 1994, Marina Silva contava 3% da preferência do eleitorado. Deu uma arrancada e tornou-se a mais bem votada.

Naquele ano, a vitória começou a se concretizar num debate promovido pela TV União, antiga afiliada da Rede Bandeirantes. Enquanto os outros concorrentes se atacavam, ela mostrava propostas. Não será diferente em 2010.

“Subestimaram-me tanto, mas eu cheguei até aqui”. Ninguém duvida que ela chegará mais longe. É bom não substimá-la.

A foto de Marcos Vicentti/AquyriPress

Um comentário:

Simone Bichara disse...

Marina é o resgate da integridade na política brasileira!
Parabéns.