Acredito em coincidências. Mas admito, pro bem e pro mal, aquilo que chamamos de coincidência, que outros chamam de sincronicidade, e outros, ainda, de azar ou sorte, pode ser apenas o que parece ser: acaso... Mas não custa acreditar... no mínimo nos faz pensar no que acontece em seus porquês... Portanto, não custa nada... mesmo.
Tantos Chicos, quantos Zés...
Por Marcos Vinicius das NevesTem uma coisa que sempre me incomodou na história do Acre. Uma desconfiança, quase certeza, que nunca consegui apagar de todo. E permanece dentro de mim, como um incômodo, uma palavra presa na garganta, que aqui e acolá luta de novo pra se libertar. Talvez nem seja a hora ainda, mas queria hoje me dar o direito de, ao menos, duvidar.
O assassinato de Zé Claudio e Maria do Espírito Santo esta semana me fez lembrar do tanto que já escrevi sobre Chico Mendes, Wilson Pinheiro e outros. Não me foi possível evitar o sentimento de que estas mortes foram iguais aquelas, ainda. Como não foi possível deixar de perguntar: O que, de verdade, mudou no Brasil desde 1988? 1980? Ou mais além?
Um país que mata líderes que ousam se contrapor aos interesses hegemônicos não será um país, nunca. No máximo, um mal disfarçado apêndice de outros países mais poderosos. Assim é a história. Ou como já disseram: Assim caminha a humanidade... Mas o pior não é isso... O pior é a desconfiança de que isso não é nada. O pior é o que não vemos, nunca.
Lembro de certa ocasião, em uma mesa redonda de historiadores em Brasiléia, na época do centenário da Revolução Acreana, onde falei sobre o desconhecimento sobre o real numero de mortos (que também poderiam ser chamadas de “vítimas”) daquela guerra do fim de mundo. O que bastou pra me tornar alvo de uma saraivada de argumentos dos doutos senhores da Academia sobre a desimportância disso, porque o que interessava não eram nomes e nem quantidades, mas unicamente que a Revolução havia sido feita por conta dos interesses capitalistas internacionais, punto e basta... Fórmula mágica da generalização que tanto empobrece nossa consciência histórica. Para delírio de uma claque bem adestrada em salas de aula improdutivas...
Talvez seja por isso, que não existam, ainda, histórias sobre os tantos mortos das florestas acreanas naquelas décadas trágicas de 70 a 90. Sempre que leio, ou escrevo, ou falo, sobre o tempo e os eventos que levaram à morte de Wilson Pinheiro, João Eduardo, Ivair Higino, Chico Mendes, tenho uma incontida sensação de que estou falando da morte de uma multidão infinitamente maior do que essa limitada lista de nomes e rostos conhecidos.
Quando me ponho a imaginar o tanto de famílias expulsas dos seringais pelos grileiros e madeireiros do Acre de então, me vem a desconfiança do tanto de gente que morreu nas muitas colocações perdidas no meio da mata profunda, sem que ninguém no mundo cá de fora ficasse sabendo. Eu já ouvi falar de algumas dessas mortes silenciosas e anônimas aqui perto. Num seringal das cercanias de Porto Acre. Fazendeiro, recém chegado e valente, que roubava na castanha que o povo tirava da mata, roubava nas escrituras do cartório, roubava no direito àquelas terras há décadas ocupadas, roubava a vida dos que não abaixavam a vista.
Pois ainda hoje o povo conta... Entredentes, mas conta. Quase nem se escuta o que ele fala, é preciso apurar os ouvidos para entender o que não é, sequer, dito, mas revelado por olhos desconfiados, daqueles que lembram os tempos de medo e de morte.
Por isso acredito que para cada nome conhecido entre os assassinatos de homens como Chico, João, Wilson, existem outros, muitos, dezenas, talvez centenas, desconhecidos, sem fotos, sem manchetes que lhes desvelem. Mas essa é uma história que ainda resta ser contada...
Disso tudo eu lembrei essa semana, com a notícia sobre a morte do Zé Claudio e da Maria do Espírito Santo. O que não deixa de ser ao mesmo tempo curioso e assustador.
Já que ainda dá de lembrar que, na semana passada, no dia em que iam votar e já dava pra ver que iam aprovar o novo código, saiu a noticia do absurdo aumento no desmatamento brasileiro, reflexo imediato do que ainda nem havia acontecido. Um aviso que não quiseram escutar. Pois, nesta semana, quando finalmente conseguiram o que queriam, aprovar o código do agro-capital ao invés do florestal, nos chega a notícia amarga de mais duas mortes pelos mesmos velhos motivos daquelas outras de três décadas passadas, ainda. Apenas coincidência... talvez. Mas, há que se admitir, mesmo que assim seja, um mau sinal.
E, como que pra nos lembrar que não há mesmo nada de novo a ser contado, na sexta-feira ultima, mais um assassinato. Dessa vez, de um homem chamado Dinho, aqui do lado, em Rondônia. Mais um, de quem se conhece o nome, do qual temos fotos pra publicar, apenas mais um mero acontecimento banal...
Nenhuma coincidência há, então. Apenas mais alguns Wilsons, Joões, Chicos, Zés, Marias, Dinhos, como tantos quantos aqueles que nos esquecemos de contar... Porque assim também não nos poderá incomodar a falta de alguma possível consciência...
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