segunda-feira, 30 de junho de 2008

Artigo da Marina

MARINA SILVA
De feliz memória

NOS IDOS de 1995, o Acre vivia um dos períodos mais truculentos de sua história política. Esquadrão da morte, assassinatos brutais, perseguições. Jorge Viana era prefeito de Rio Branco e eu senadora em primeiro mandato.

Nesse período, convidamos Ruth Cardoso para conhecer nossos programas sociais. Alguns acharam a iniciativa sem cabimento, pois poderia dar gás à oposição local, aliada do governo federal. Para a oposição, não tinha cabimento era dona Ruth dar força para o PT.

Ela foi assim mesmo. Na noite em que chegou, fez questão de parar na feirinha de artesanato, em frente à catedral, e comprou um colar de coquinho mulungu, feito pelos índios.

No outro dia, no almoço em sua homenagem, a maioria foi vestida com certa cerimônia, apesar do calor danado. Dona Ruth entrou de calça comprida, camiseta branca de malha e, de jóia, apenas o colarzinho de mulungu. Deixou todo mundo à vontade. Quem estava ali era a autoridade acadêmica que não se escondia atrás da cátedra e a primeira-dama que não gostava de pompas. Tinha olhar direto, escuta genuína, compromisso.

De outra vez, queríamos criar o programa Amazônia Solidária. Ela colocou técnicos do Comunidade Solidária para ajudar a formatar a idéia, que resultou no Prodex, a primeira linha de crédito para extrativistas na Amazônia. A demarcação da terra indígena Raposa/ Serra do Sol também deve muito a dona Ruth.

Em três momentos, foi emblemática para o Acre a presença de pessoas cujo apoio mostrou que não estávamos sós. Em 1980, Lula, quando Wilson Pinheiro foi assassinado. Em 1988, Al Gore, logo após a morte de Chico Mendes. Em 1995, quando estávamos à mercê do Esquadrão da Morte, Fernando Henrique e Ruth Cardoso foram fundamentais para ajudar o Acre a fazer uma transição histórica.

A visita de dona Ruth foi o símbolo dessa atitude, que estimulou o PSDB a entrar na aliança que elegeu Jorge Viana governador em 1998. O presidente e dona Ruth deixaram claro que, naquela hora, as pessoas de bem deveriam ter um lado e não apenas um partido.

A ligação entre esses momentos é terem sido fruto da diluição das fronteiras políticas por meio de um alinhamento ético, suprapartidário, generoso.

No velório de dona Ruth, pensei em como, mais uma vez, ela foi artífice de uma trégua civilizada que trouxe à tona o que une e não o que divide. A perda desta pessoa tão preciosa impõe uma reflexão: a luta pelo poder é mais importante do que juntar forças para objetivos comuns? Se conseguimos no Acre, por que não no Brasil?

contatomarinasilva@uol.com.br

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