segunda-feira, 30 de junho de 2008

Eleição para reitor da Ufac

Rebentos, Rebanhos
e Marias Redentoras
Gerson Rodrigues de Albuquerque*


“Flutuando como água... você vai em frente com rapidez, jamais
enfrentando a corrente nem parando o suficiente para ficar estagnado
ou se grudar às margens ou às rochas – propriedades, situações
ou pessoas que passam por sua vida -, nem mesmo tentando agarrar-se
a suas opiniões ou visões de mundo, apenas se ligando ligeiramente, mas com
inteligência, a qualquer coisa que se apresente enquanto você passa e depois
deixando-a ir embora graciosamente sem apegar-se...”
(Lao Tse, citado por Zygmunt Balman, Vida Líquida, 2007; 11).

A Universidade Federal do Acre vive, mais uma vez, um clima de disputas e divisão interna entre grupos que se digladiam pelo controle da reitoria e, portanto, do mais alto Cargo de Direção dessa Ifes. Característico do processo em curso, no entanto, tem sido o grande empenho com que as professoras que lançaram suas candidaturas, seus articuladores e apoiadores têm se debruçado na definição e/ou ampliação de um leque de alianças – é assim que se fala na política partidária – que defina a eleição antes da eleição, sem discussão ou na base do reflexo que cerceia a reflexão, numa clara demonstração de que o interesse maior, nem de longe é com a universidade.

A queima de fogos de artifício e congratulações a cada nova adesão entre os dois principais grupos, até o momento interessados na “gestão da Ufac”, o lançamento formal e informal de candidaturas a reitor(a) e a vice-reitor(a), bem como a “partilha” dos cargos de pró-reitores pelo critério da correlação de forças internas aos grupos, o curioso surgimento de camisetas, bottons, adesivos, folders, faixas, banners, balões coloridos, entre outros, em um contexto onde sequer foram definidas e publicadas as regras eleitorais com critérios claros e democráticos, universo de votantes, natureza do voto, locais das sessões, Comissão Eleitoral, prazos para inscrição, data da eleição, escrutínio, caráter e limites para a campanha/propaganda eleitoral, entre outros, fundamentais para nortear qualquer processo eleitoral – em especial quando se trata de instituições públicas - constituem-se, também, como um escandaloso indício de que a última coisa que interessa é a Universidade Federal do Acre.

As duas principais candidatas, seus vices e respectivos grupos, para amenizar o fato de que “o carro saiu na frente dos bois”, vez em quando, se intitulam como “pré-candidatas”, numa grosseira simulação da política partidária brasileira. Esquecem, no entanto, que as “pré-candidaturas” são lançadas para as convenções dos partidos que definem quem serão seus candidatos pelos mais variados e “democráticos” métodos e, fundamentalmente, seguindo as regras, condições e prazos estabelecidos para cada certame. Somente depois de cumprida essa etapa é que as candidaturas são lançadas e tem-se início a propaganda eleitoral.

Nas duas últimas semanas de junho, circularam, em formato eletrônico, as “cartas de apresentação” das duas candidatas. A primeira, assinada pela professora Margarida Carvalho, pregando mudanças, embora a professora em questão tenha sido parte constitutiva da atual gestão - nos últimos quatro anos - e, o que é inexplicável, sem ter dito uma única palavra, uma mísera manifestaçãozinha pública de descontentamento ou discórdia quanto aos rumos da instituição ou das práticas, palavras e atos de seus gestores, da qual a mesma integrou seu primeiro escalão à frente da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação.

A segunda, assinada pela professora Olinda Batista – também integrante da atual gestão na condição de vice-reitora -, ancorada no estapafúrdio slogan “para avançar mais”, subestima nossa capacidade de ver e sentir as coisas. Avançar o que? A adesão da Ufac aos programas de desmonte da universidade pública, levado a cabo pelo governo Lula da Silva, a exemplo do Reuni? Avançar no silenciamento dos fóruns de deliberação interna de nossa instituição e na varredura do “lixo para debaixo do tapete”, a exemplo dos já clássicos “erros protocolares” em certames públicos internos e externos, como o do Edital Pibic 2006-07 ou em concursos para professores e técnicos administrativos, ao longo dos últimos quatro anos?

O que provoca estranhamento é assistir como um amplo conjunto de colegas professores doutores e mestres, além de funcionários e estudantes se posicionam com naturalidade frente ao que está em curso no interior dessa Instituição de Ensino Superior, aderindo a uma ou outra candidatura, assumindo os símbolos, slogans e signos de suas campanhas, sem tecer comentários ou reflexões sobre seus significados. É como se o lançamento de candidaturas com suas propostas “salvacionistas”, ancoradas na distribuição de camisetas, adesivos, bottons, folders, cartas e a colagem de faixas e banners fosse a coisa mais natural do mundo. Mais ainda, como se isso fizesse parte de nossos pressupostos mentais, nossas possibilidades de compreensão e posicionamento no mundo.

No mínimo, valeria a pena um questionamento público sobre a origem dos recursos que anunciam e vendem como “produtos de última geração”, candidaturas de um processo que sequer foi instalado pela devidos órgãos deliberativos da instituição. Qualquer estudante da Ufac que se proponha realizar uma atividade de arrecadação de fundos, como vender bilhetes de rifas para organizar “festa” de formatura, comprar uma bicicleta para o colega que não tem como se deslocar até o campus universitário, participar de um congresso fora do Estado ou publicar um informativo de seu Centro ou Diretório Acadêmico, sabe o quanto é difícil conseguir a colaboração voluntária de professores e técnicos, mesmo quando o preço da rifa é de um real.

Na Ufac, em outras eleições, articulações e “ajuntamentos” de grupos e interesses sempre existiram, mas as candidaturas eram lançadas com base em processos definidos e de acordo com regras públicas e previamente estabelecidas, como em qualquer outra eleição. Desta feita, porém, as coisas tomaram outros rumos e as cartas das “pré-candidatas”, paradoxalmente firmadas na condição de candidatas, atestam o afã e a ansiedade de se definir tudo por outros caminhos, subordinando os mais importantes órgãos de deliberação da instituição à condição de meros “homologadores” de articulações, acordos e decisões de outras instâncias, algumas delas obscuras e alheias ao cotidiano e a realidade acadêmica.

Em abril de 2008, lançamos um manifesto pelo voto paritário, como elemento inicial para a reflexão sobre a sucessão na reitoria. Esse documento envelheceu precocemente. Não pela falta de coerência em seus argumentos e tese central, posto que ainda acreditamos que o voto paritário é a melhor alternativa em processos de eleição para reitor. No entanto, a honesta opinião pública do professor Ronaldo Melo e a conveniência como essa questão passou a ser tratada, aliada ao fato de que a quase totalidade dos envolvidos nas discussões sobre a sucessão na reitoria estavam e estão voltados para a definição de nomes e blocos eleitoreiros, deixando a reflexão sobre a atual situação e os rumos da universidade para último plano, nos levaram a priorizar uma outra discussão e colocar outras questões para o debate: qual universidade queremos? Voto paritário para que? Para, plebiscitariamente, homologar candidaturas de ocasião? Para manter a Ufac omissa frente aos grandes problemas que atingem as populações que vivem nessa parte da Amazônia? Para continuarmos seguindo à risca os pacotes e portarias governamentais que desmontam a universidade pública no Brasil? Para ampliarmos o fosso que nos separa da sociedade e da defesa de um mundo mais justo, igualitário e livre para todos? Para “avançar mais” na prática de tratar o “outro”, o “diferente”, o “anormal”, como incapaz e destinarmos a ele nossa “fraternidade piedosa” e nossa “tolerância” em recebê-lo como “igual” em nossos ambientes de “normalidade” e “racionalidade”?

Creio que as atuais candidaturas a sucessão do professor Jonas Filho na reitoria da Ufac nada têm a nos dizer, na proporção em que não apenas suas trajetórias recentes foram de silêncio e omissão frente aos inúmeros ataques sofridos pela universidade, mas, principalmente, porque partem da mesma lógica de apego a cargos de mandos e desmandos na administração pública e de tratar como dispensáveis as instâncias deliberativas e a prática do debate aberto, público na definição de processos e certames no interior dessa instituição.

Quem esteve participando da última greve da categoria de professores, em 2005, uma das mais difíceis e conturbadas da história do movimento docente, deve lembrar o quanto as duas reitoráveis foram “democráticas” em diferentes momentos dos mais de cem dias de paralisação: a pró-reitora fingindo-se de “surda” e “desentendida” frente às decisões de nossas assembléias no tocante ao funcionamento de programas interinstitucionais e ações de pós-graduação e pesquisa; a vice-reitora tocando em frente a participação da Ufac na “ressurreição” do nefasto Projeto Rondon, herança da ditadura militar, completamente a margem do debate e das decisões dos órgãos colegiados.

Mas que importância tem o passado, mesmo que ele não seja tão passado assim? A incrível forma como colegas professores, com históricos procedimentos e opiniões no interior da Ufac, se articulam nos mesmos blocos e grupos com outros colegas professores, cujos procedimentos e opiniões são completamente diferentes e mesmo antagônicos aos seus, nos faz pensar que tempos mais sombrios virão pela frente.

A palavra “democracia”, desgastada e esvaziada de significados, está sendo utilizada como um clichê para ocultar que nossas escolhas no processo que ainda vai se instalar, não obstante aos choques de vaidades e sentimentos durante as reuniões do Conselho Universitário, já estão definidas. Não importa a natureza do voto: se proporcional com o “generoso” peso de 70% para os docentes, se proporcional paritário ou se universal, a palavra de ordem será: façam suas escolhas na candidatura 1 ou na candidatura 2. Porém, não devemos esquecer que elas já estão escolhidas e lançadas, independentemente das regras, da natureza do voto, dos prazos, do universo de eleitores e votantes, das propostas e da própria sobrevivência da universidade pública, gratuita e de qualidade.

Diante de nós, o horizonte e seus desafios. Muitos escolheram o caminho das “ligações frouxas”, incorporando aqui as reflexões do sociólogo polonês Zigmunt Bauman, em seu livro “Vida Líquida”, onde “compromissos revogáveis são os preceitos que orientam tudo aquilo em que se engajam e a que se apegam”. Para eles, as experiências e as lições da vida vivida no interior da Ufac – no passado e no presente – de nada valem: “avançar mais” é “possível”. “Acredite” nisso, mesmo sem saber para onde você está “avançando” – ou se está mesmo “avançando” - e na companhia de quem.

No horizonte, a redenção virá pelas mãos femininas. As redentoras, como resultado de uma alquimia que funde “diferentes” credos e interesses, tornaram-se “puras” e “predestinadas” a “civilizar” a “barbárie”. Os rebentos salvadores são projetos orquestrados milimetricamente para contemplar os agregados e agradar aos próprios ouvidos e aos ouvidos dos eleitores e votantes. Estes, tratados como rebanhos ouvirão sons em a-cor-des da re-pe-ti-ção ininterrupta dos slogans e palavras de ordens que deve lhes propiciar “bem estar”, enquanto seguem conformados e felizes seus pastores - intermediários entre eles e as redentoras. Os olhos dos que se deixarem tratar como rebanhos, ávidos de desejos – como diria Drumond – nada deverão questionar e se inundarão com as cores de fantasmagóricos lançamentos de candidaturas que, como se estivessem sobre esteiras para exames ergométricos, correrão a plenos pulmões para provar que são saudáveis, mas sem sair do lugar.

Aos que não se dobram frente ao cômodo “quem não tem cão caça com gato” - sabedores como inúmeras mulheres e homens amazônicos que existem “mil maneiras de caçar” - cansados de repetir a máxima do “esmagai a infâmia” de Voltaire, restará manter a dúvida e a capacidade de dizer não, cientes, mas sem se desesperar como Stefan Zweig que “a cada dia surgirão infâmias piores que as do dia anterior”.

* Gerson Rodrigues de Albuquerque, professor do Centro de Educação, Letras e Artes da Ufac

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