domingo, 5 de junho de 2011

Entrevista

“Vou trabalhar com o foco no entendimento”

Senador Jorge Viana compara a relatoria

do Código Florestal à poli position, em Mônaco

Ser útil para o Estado e para o país. Foi esse o primeiro sentimento que o senador Jorge Viana (PT) tentou repassar ao jornalista Leonildo Rosas quando começou a entrevista para falar sobre um dos temas mais polêmicos e importantes do Brasil: o Código Florestal Brasileiro.

Numa conversa telefônica que durou meia hora, o senador revelou que tinha optado por manter-se distante das disputas por cargos importantes do Senado no primeiro ano de mandato.

Revelou, porém, que pediu ao presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), para relatar a matéria.

Ao ser anunciado como relator, o senador acreano ganhou as luzes do país. Vai relatar um projeto que mexe com o meio ambiente e a produção agrícola. Será pressionado, mas não parece temer o desafio.

É tanto que comparou a relatoria com se fosse um piloto de Fórmula 1 que conseguiu obter a poli position no famoso e charmoso Grande Prêmio de Mônaco.

Na condução das negociações para fechar o relatório, Viana não quer ultrapassar ou trombar com ninguém. Disse que trabalhará pelo entendimento. Mas as curvas no caminho podem provocar derrapagens e acidentes. Veja a entrevista.

Há quanto tempo a Código Florestal vem sendo debatido?
O tema do Código Florestal está na pauta do Congresso há dez anos e este ano foi votado na Câmara dos Deputados. Seria normal que todos os 81 senadores quisessem pegar essa relatoria. É um tema do mundo e capaz de, bem trabalhado, apontar se o país quer entrar no século vinte e um ou quer permanecer no século vinte.

Como o senhor recebeu a sua escolha para ser relator?
A minha escolha, eu que assisto fórmula um, é como se tivesse feito a poli position no Grande Prêmio de Mônaco, que é o mais perigoso, o mais charmoso e o mais interessante grande prêmio. Também é um dos mais antigos. Faço a comparação porque é um circuito difícil de ultrapassar, você corre ao lado do perigo constante, estando sempre sujeito ao acidente, a dar uma trombada.

É como o senhor pretende chegar à frente nessa corrida?
O desafio começa agora. Correr em Mônaco traz risco de acidente, é preciso estar permanentemente focado porque é grande o risco de ganhar e de perder. Foi só a poli. O desafio começa com a corrida.

Em que ritmo o senhor pretende acelerar?
Vou acelerar sabendo da necessidade de buscar o entendimento, o diálogo com o próprio PMDB e a recomposição da base do governo, que se dividiu na Câmara. É fundamental juntar no Senado e fazer uma interlocução forte na sociedade. Esse movimento está mais forte na sociedade do que nas instituições.

É qual será o foco principal?
A corrida exige um foco e uma concentração permanente. É fundamental trabalhar com os carros que estão ao teu lado. Pretendo focar diretamente no entendimento político, distensionando um pouco o clima que veio da Câmara dos Deputados.

O senhor acha que o fato de ser da Amazônia ajudou na sua escolha para pilotar o relatório do Código?
De certa forma sim. Tenho recebido uma ótima acolhida no Senado dos companheiros de bancada, da direção da casa e também da oposição. O meu trânsito é muito bom, como era o do hoje governador Tião Viana.

Como foram os seus primeiros dias no Senado?
Há pouco mais de dois meses procurei o líder do PT, senador Humberto Costa; o líder do governo, Romero Jucá; e o presidente José Sarney. Também procurei o presidente da Comissão de Meio Ambiente, Rodrigo Rollemberg. Falei que tinha feito uma opção de, neste ano, estudar o funcionamento do Senado. Não queria disputar nenhum espaço importante antes de ficar familiarizado com o Legislativo.

Por que o senhor tomou essa decisão?
Gosto muito da política, mas venho do Executivo. Tenho os pés no chão. O Legislativo é outro mundo, outro modelo de cabeça, outro modelo mental. Outro tempo. O outro poder.

Mas o senhor nunca pensou em ser relator de uma matéria como essa?
Sim. Tinha falado para eles, especialmente para o Rodrigo Rollemberg, que, caso fosse possível, por ser engenheiro florestal, por vir de terra de Chico Mendes, por conta do Governo da Floresta que a gente fez, quando o Código Florestal chegasse ao Senado, se fosse possível, eu gostaria de relatar.

Houve acolhida?
O Rodrigo Rollemberg acolheu bem, mas, depois de algum tempo, me procurou e disse que achava que iria avocar para ele a relatoria.

Qual foi o comportamento do senhor?
Falei que se fosse ele o relator, que é um grande companheiro do PSB, ele teria o meu apoio incondicional. Passaram-se dois meses e vi que a disputa no Senado por essa relatoria se intensificou. Também houve acirramento na Câmara, onde a base se dividiu. Essa situação ficou ruim para o governo, que teve, de certa forma, uma derrota.

Foi ai que o senhor foi chamado...
Dentro desse cenário, o Rodrigo me ligou quando retornei do Acre para Brasília na segunda-feira. Na terça-feira de manhã ele falou que pensou bem e que me considerava a pessoa mais adequada para ser relator.

Por que a pessoa mais adequada?
Ele que tomou a decisão por causa da minha história de vida, da minha capacidade de dialogar e de procurar ajudar a todo mundo. Não fiquei surpreso, mas com a sensação de ter recebido um enorme desafio. É um desafio que se confunde com a minha trajetória de vida. Não poderia recusar, tendo em vista a importância que uma questão dessas tem para a Amazônia, para o Acre, para o Brasil e para o mundo.

Muita gente queria ser relator?
É claro. É um desafio muito grande. Todos os oitenta e um senadores queriam ter o privilégio de receber essa missão. É uma missão muito complexa, difícil e tem muitos interesses econômicos em jogo.

Qual a razão da missão ser tão complexa?
Porque você está falando do acesso à terra, a algo vinculado a um bem que alguns especulam. Um bem que pode determinar a Justiça ou injustiça social, que é o uso da terra. O Código Florestal trata disso.

Quais foram os seus primeiros passos?
No mesmo dia em que o senador Rodrigo Rollemberg me chamou, eu convidei-o para fazermos o trabalho juntos. Procurei o presidente da Comissão de Agricultura, Acyr Gurgacz; e o senador Luiz Henrique, que é ex-governador de Santa Catarina e com quem tenho bom diálogo.

Qual é a importância desse tipo de conversa?
Fiz isso para discutir sobre a importância de não sair cada um correndo para um lado. No dia seguinte, consegui fazer uma conversa demorada com o deputado Aldo Rebelo, que foi o relator e o autor do trabalho, que recebeu quatrocentos e dez votos dos deputados. Não é qualquer relatório que recebe uma votação dessas. Também tive uma audiência com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Fiz essas conversas no sentido de aprofundar o conhecimento. Tenho estudado muito sobre isso. A conversa foi sobre pontos que podem ser levados a discussões mais aprofundadas.

Que pontos são esses?
São pontos divergentes. O Código tem sessenta e nove artigos, mas os pontos divergentes podem dar impressão de que vão premiar desmatadores, de ser uma legislação contra o meio ambiente e de que irá penalizar a quem agiu na defesa do meio ambiente e os agricultores que agiram dentro da lei.

São quantos pontos?
Esses pontos são cinco ou seis. Mas são pontos que, se não houver entendimento, pode passar a impressão de que o meio ambiente está perdendo. Se o meio ambiente perder, todos perdem, principalmente os produtores agrícolas e os que dedicam as suas vidas ao agronegócio.

Como será o trabalho do senhor?
Temos que fazer algo onde o meio ambiente não perca. Se o meio ambiente ganhar, todos ganham, inclusive os que atuam na agropecuária e na agricultura familiar e empresarial.

Qual a importância do meio ambiente não perder?
O mundo está mudando, os consumidores passaram a exigir que os produtos que eles estão consumidos não estão criando danos sociais e ambientais.

Qual é o prazo para a conclusão do relatório?
O relatório será feito a várias mãos. Tem que se feito com o senador Luiz Henrique, que deverá relatar na Comissão de Constituição e Justiça e também é possível que seja o mesmo relator na Comissão de Agricultura. Tenho falado, junto com o meu amigo Rodrigo Rollemberg, que o prazo é o do entendimento. Nesse período temos que buscar o entendimento dentro do Congresso, prioritariamente, num diálogo com o governo, e, com atenção especial, com a sociedade.

Mas há a disputa para que o relatório a ser levado ao plenário seja o do senador Luiz Henrique...
Realmente havia um buchincho acerca disso. Mas eu e senador Rodrigo Rollemberg conversamos com o presidente José Sarney. Na quinta-feira à noite, ele me telefonou garantindo que o relatório do mérito será o da Comissão de Meio Ambiente.

O senhor já procurou algum ex-ministro para conversar?
Sim, mas vou procurar outros. Já tive conversas com alguns deles, como a ex-ministra Marina Silva. Vou procurar um grande amigo, que é o ex-ministro José Carlos Carvalho. É uma pessoa muito ligada ao PSDB e foi secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais. Tem também o ex-ministro Eduardo Martins. O fórum de ex-ministros é muito importante.

Há outros setores para conversar?
Tem a Embrapa do Brasil, os setores que representam o agronegócio e a agropecuária. É um pessoal que acumulou conhecimento e tem posicionamento sobre isso. No Acre, por exemplo, há o Assuero Veronez, que tem um trabalho importante.

Há algum setor que terá olhar especial?
Vamos dar uma atenção especial para a agricultura familiar. Se for encontrada a solução para o pequeno produtor, para a agricultura de subsistência, para o extrativista e para o ribeirinho, acho que a gente descontamina o debate. Eu diria que mais de noventa por cento dos problemas estarão resolvidos.

Por que a produção familiar?
Por que os que trabalham com a produção familiar merecem uma segurança jurídica para que possam viver nas margens dos rios e na floresta trabalhando nos sustento das suas famílias e ajudando o Brasil a se desenvolver.

Então haverá preconceito contra a atividade empresarial...
Não. Isso não que dizer que iremos fazer uma ação tendenciosa contra a agricultura empresarial ou contra aqueles que trabalham na agropecuária. É o contrário. Mas isso tem que ser separado.

Como separado?
Não tem como juntar porque são interesses distintos. Um envolve uma ação social, enquanto o outro envolve uma questão de produção em maior escala, que mexe com a economia do país. São situações distintas, que têm que ser trabalhadas de maneiras distintas sobre pena de contaminar de maneira errada um tema complexo por natureza.

E o prazo...
O prazo para trabalhar isso deve ser de três a quatro meses. Mas tomara que no dia cinco de setembro, o Dia da Amazônia, a gente já tenha uma solução para esse tema. Se tivermos e a solução for boa, eu acho que a Amazônia e a memória de Chico Mendes agradecerão.

Um dos temas polêmicos no relatório do deputado Aldo Revelo foi a permissão para que os Estados e municípios possam legislar sobre o tema, como senhor vê isso?
A Constituição estabelece que, sobre esse tema, cabe à União legislar. Os estados e municípios podem legislar de maneira complementar. Acho que isso tem que ser preservado.

Por quê?
Porque um tema como a questão ambiental é complexa demais. Qualquer ação nossa implica no compromisso com a atual geração e com as gerações futuras. Ou seja: implica em estabelecer regras que limitam a ação da atividade econômica.

Explique melhor.
É um tema delicado, que fere interesses. E, por ferir interesses, por serem tão importantes para a atual geração e as gerações futuras, é que quem tem que dar a palavra final é quem tem mais poder. Tem que ser a União.

E a questão das anistias?
O Programa de Regularização Ambiental é uma mão estendida para aqueles que estão numa situação irregular, mas que querem sair dessa situação. São pessoas que vivem numa situação de insegurança jurídica. Não tem sentido o extrativista, o ribeirinho e o pequeno produtor passar pelas dificuldades que estão passando porque a legislação foi mudada.

Quando a legislação foi mudada?
Se você lembrar, na época do presidente Fernando Henrique Cardoso, a área de ocupação por atividade econômica na Amazônia era de cinqüenta por cento da área total. Esse limite foi passado para vinte por cento. Isso foi em mil novecentos e noventa e seis.

Houve mudanças?
Essa lei está mantida, inclusive na proposta que foi aprovada na Câmara. Ninguém discute mais isso. Agora, muita gente está hoje numa situação irregular porque desmatou metade da sua propriedade antes da lei mudar.

E como o Programa vai ajudar essas pessoas?
O Programa de Regularização ambiental vai dar a oportunidade para o proprietário se regularizar. Vai tirar dessa confusão aqueles que não estão irregulares. São pessoas cujo desmatamento das áreas delas já tinha acontecido antes da lei.

O que será feito?
O Brasil vai ter que separar quem, por conta da lei de ter mudado, é considerado irregular dos outros que estão em situação ilegal, porque desmataram propositalmente para especular com a terra e são desmatadores. A lei não pode passar a mão na cabeça de quem age dessa forma.

Em quê o Código está focado?
O Código está muito mais focado em encontrar uma solução de recomposição do que foi feito para trás do que para frente. Tudo isso por conta da insegurança jurídica que há.

Agora, no dia 11 de junho, vai expirar o prazo do decreto que institui o Programa de Recuperação de Áreas Ambientais, o que pode acontecer?
Se ele cair, setenta por cento das propriedades do Brasil irão ficar na ilegalidade. Não terão acesso ao crédito e terão ações em cima deles. O desafio nosso é pôr esse decreto na mesa, junto com a emenda 164, que foi fruto de um momento de confronto na votação da Câmara. Isso tem que ser ponto de negociação.

O que diz essa emenda 164?
Ocorreram duas votações na Câmara. Uma foi a do texto do Código, que contou com quatrocentos e dez votos favoráveis. A outra foi da emenda 164, que deixou muitas dúvidas como risco de fazer anistia e da permissão para Estados e municípios poderem legislar. A emenda também deixou muito fragilizado o uso de Áreas de Preservação Permanente. Também deixa uma margem para, em vez de fazer a recomposição da área legal, ser feita a legalização pura e simplesmente.

Como o senhor pretende reverter os efeitos da emenda?
A emenda 164 dividiu a Câmara. Ela tem que ser objeto de uma discussão com foco no entendimento. Essa emenda e o decreto, que vence agora, têm que ser o ponto de partida.

O senhor está confiante?
Sou otimista de que dá para fazer um trabalho onde o meio ambiente não saia perdendo. Acredito na possibilidade de dar segurança jurídica para a agricultura familiar, ao pequeno produtor, bem como para quem trabalhar na agricultura empresarial e no agronegócio.

Quais os riscos de uma legislação malfeita?
Se o Brasil passar uma mensagem errada na hora que decide uma legislação ambiental, os produtos brasileiros, que hoje são importantes na balança comercial e na geração de emprego, vão sofrer boicote e ações internacionais. O produtor vai tomar prejuízo com isso. É muito importante que a gente consiga o entendimento. Está perto e eu vou trabalhar por ele com a experiência que o povo do Acre me deu.

Como a experiência no Acre pode ser utilizada?
No Acre a gente conseguiu fazer sentar o índio, o fazendeiro e o seringueiro. Conseguimos fazer o Zoneamento Ecológico-Econômico. O Acre era um lugar de muitas mortes e muitas matanças. As de maior repercussão foram as de Wilson Pinheiro e de Chico Mendes. Viramos a referência de um Estado que assumiu o caminho do desenvolvimento sustentável. Tem o governador Tião Viana reafirmando esses compromissos. Somos um Estado que tem Chico Mendes, Marina Silva e tanto outros menos conhecidos.

Pelo o que se houve falar, a floreta não é tão valorizada no Código Florestal
Esse é um fato. Acho que está faltando mais floresta no Código Florestal. O Brasil tem meio bilhão de hectares de floresta. É o país que tem a maior área de floresta tropical, mas participa apenas com quatro por cento do PIB florestal do mundo. Nós nem conseguimos ganhar dinheiro com a floresta e ficamos numa armadilha perigosa de ficar falando sobre quanto da floresta a gente desmata.

Mas por que essa postura?
Por que a gente tem feito atividade só focada no solo. Acho que o solo é importante, que é importantíssima a produção agrícola, mas não implica, em termos, mais destruição, mais queimada, mais desmatamento nos diferentes biomas do Brasil. Desmatamento é queimar dinheiro. É jogar fora riqueza. Tem que tem uma boa política para o setor florestal e segurança jurídica para o bom uso das áreas de terra existentes.

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