Os dias nublados de Marina
“Na noite de ontem o fenômeno Marina parecia estar com uma áurea mais opaca, colocando em cheque uma perspectiva: os 20 milhões de votos nas eleições de outubro foram mesmo para Marina, foram para o Partido Verde ou para uma terceira via política sem personificações?”
Renata Camargo*
A ex-senadora Marina Silva está passando por dias nublados. Na capital federal, onde o céu está cada vez mais azul pela chegada da seca, Marina se mostrou distante da empolgação trazida por um dia brilhante de sol.
A ex-senadora Marina Silva está passando por dias nublados. Na capital federal, onde o céu está cada vez mais azul pela chegada da seca, Marina se mostrou distante da empolgação trazida por um dia brilhante de sol.
Também pudera. Dos 611,3 mil eleitores do Distrito Federal que votaram na ex-candidata do PV à Presidência da República em outubro passado, pouco mais de 60 pessoas compareceram para ouvi-la na noite de ontem (25) num centro cultural em Brasília. Alguns desses vieram de cidades e municípios vizinhos.
Ao contrário do que ocorria no ano passado, quando somente a presença de Marina fazia balançar o coreto e arrastar multidões, a ex-senadora não conseguiu ontem empolgar de fato o auditório, com menos da metade de sua capacidade ocupada, em sua maioria preenchida por aliados.
Na capital federal, que concentra os três Poderes da República, nenhum dos “grandes” nomes do PV esteve presente para ouvir o Movimento de Transição Democrática do partido. Nem mesmo o presidente da executiva regional, o atual secretário de Meio Ambiente do DF, Eduardo Brandão, compareceu. Eduardo alegou “compromissos outros” para justificar a ausência.
A ex-candidata do PV veio a Brasília defender a redemocratização do partido. Tarefa que passa pela espinhosa missão de destituir da presidência do PV o atual comandante, o deputado paulista José Luiz Penna, e esbarra num conflito de concepções políticas dentro da própria legenda.
A proposta de seu grupo minoritário, segundo Marina, é “reestruturar o PV para que ele seja um veículo de expressão da sociedade”, como um partido “em rede, capaz de dialogar com os núcleos vivos da sociedade para realizar as transformações de uma forma radicalmente democrática”, sem centralizar decisões.
“O PV fala de ganhar o mundo, mas não consegue ganhar a si mesmo. Queremos que o PV seja de fato um partido, e não uma sigla”, disse Marina.
A ex-senadora do Acre foi a candidata mais votada no Distrito Federal no primeiro turno das eleições presidenciais em 2010. A votação expressiva obtida pela candidata do PV foi um dos fatores determinantes para a realização do segundo turno na disputa à Presidência da República.
Mas na noite de ontem o fenômeno Marina parecia estar com uma áurea mais opaca, colocando em cheque uma perspectiva: os 20 milhões de votos nas eleições de outubro foram mesmo para Marina, foram para o Partido Verde ou para uma terceira via política sem personificações?
Essa pergunta parece banal neste momento, afinal, eleições presidenciais só daqui quatro anos, e a de outubro já passou. Mas pensar a política partidária fora do período eleitoral se faz necessário e deveria se tornar uma prática constante.
Marina, figura reconhecida internacionalmente pela defesa ambiental, ao longo dos meses eleitorais, se mostrou, em vários momentos, maior do que o partido. Uma inversão desses valores, no entanto, pode agora estar despontando: sem o arcabouço estrutural do PV, a estrela da candidata verde pode estar se apagando?
Se os votos não foram personificados na figura de Marina, podem ter sido para o PV. Mas se o PV não se reestruturar profundamente e não fugir da práxis dos partidos que se pautam na lógica do poder pelo poder, esses votos mesmo tendo sido do partido, não voltarão para ele em eleições que estão por vir.
E se os votos não foram para Marina, nem para o PV, podem ter sido para uma terceira via, na personificação da esperança de uma renovação política. Daí, novamente se não houver uma mudança estrutural profunda no PV – mudança essa em que, de fato, o partido e seus membros sejam coerentes com a bandeira da sustentabilidade, que é uma causa crescente –, o papel da terceira via numa próxima eleição presidencial poderá ser exercido por qualquer outro candidato ou partido, ficando o feito do PV nas eleições de outubro passado apenas como uma referência na história.
Bem, a vantagem do português em relação a outras línguas, como o inglês, por exemplo, é que os verbos ser e estar são palavras diferenciadas e usadas com significados distintos (no inglês, to be significa ambos os verbos). Para Marina, fica o alento de que “estar passando por dias nublados” não significa necessariamente que os dias são nublados.
O processo de transformação e rachas internos do Partido Verde pode significar dias melhores. Os dias nublados pelos quais passa a ex-senadora Marina Silva podem significar apenas um momento, um período de transição.
Tudo vai depender das reais razões pelas quais as pessoas imbuídas de poder decisório dentro do PV são movidas. Se, na essência, a prática for seguir a velha cartilha da política, com o esquema de cargo em troca de apoio, tudo vai acabar na mesma. E, na história, o PV, que nasceu com uma concepção diferenciada, será registrado apenas como mais um partido.
*Formada em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), Renata Camargo é especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Já atuou como repórter nos jornais Correio Braziliense, CorreioWeb e Jornal do Brasil e como assessora de imprensa na Universidade de Brasília e Embaixada da Venezuela. Trabalha no Congresso em Foco desde 2008.
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