Esta semana a grande imprensa brasileira voltou a usar o Acre como tema para mais uma polêmica nacional. Desta vez a questão esteve relacionada à liberação de documentos ultrassecretos do governo brasileiro, contra a vontade do Itamaraty. Que misteriosas tramoias estariam relacionadas à anexação do Acre ao Brasil, a ponto de fazer a diplomacia brasileira temer tanto a revelação do conteúdo de documentos de um século atrás?
O poder do pequeno
(Ou segredos de polichinelo...)
Marcos Vinicius Neves
Semana passada tratamos aqui de questões relacionadas às eleições presidenciais do Peru e suas conseqüências para o Acre. Tratamos, portanto, dos problemas e desafios impostos por nossa condição de tríplice fronteira internacional. E não é que, nesta semana, coincidentemente, uma nova polêmica se instalou no Congresso Nacional exatamente por conta do Acre e suas fronteiras?
Explico. Está em tramitação no Senado o Projeto de Lei nº 41/2010 que trata da liberação de uma série de documentos ultra-secretos do governo brasileiro, ao limitar o tempo máximo de guarda confidencial (atualmente sob sigilo eterno) de toda sorte de documentação oficial.
Entretanto, curiosamente, o Itamaraty tem resistido o quanto pode à divulgação de alguns de seus documentos. Segundo o que noticiou o Portal de notícias R7, sob a alegação de que a revelação de certos episódios da Guerra do Paraguai e da Anexação do Acre ao Brasil poderia trazer enormes prejuízos às atuais relações internacionais do Brasil na América Latina. Ainda, de acordo com a notícia publicada, nossos diplomatas temem que, neste momento em que o Brasil assume uma condição de liderança continental e global, nosso país passe a ter uma imagem Imperialista frente aos nossos vizinhos mais pobres.
Com todo respeito aos nossos diplomatas, esta é uma das idéias mais absurdas que já ouvi em toda minha vida. Desde quando o Brasil precisa de mais algum documento para comprovar aquilo que já está escrito em todos os nossos livros de história? Afinal, uma das maiores e mais significativas características de nossa história diplomática, desde os portugueses, é exatamente a utilização das mais diversas formas de engodos e simulações para nos garantir o máximo de vantagens territoriais, políticas e econômicas. Um tipo de atuação que foi, muitas e muitas vezes, classificada pelos outros países latino-americanos como um comportamento imperialista de nosso país?
Peguemos apenas alguns poucos e bons exemplos para tirar quaisquer duvidas que possamos ter a esse respeito.
Ou alguém desconhece que o português Alexandre de Gusmão, tido como o fundador de nossa diplomacia, mandou confeccionar um mapa completamente distorcido com o objetivo de enganar os espanhóis? O famoso “Mapa das Côrtes” – que foi essencial para a negociação que resultou no Tratado de Madrid, assinado em 1750 – retratava diversos rios, especialmente o Paraguai e o Madeira, posicionados muito mais a leste do que eles realmente são. E, graças a esse estratagema, expropriou a Espanha de uma imensa área de terras em benefício de Portugal (e por conseqüência do Brasil), ampliando muito o território que lhe pertencia desde o Tratado de Tordesilhas. Nesta época o Acre ainda nem existia, mas já começava a poder vir a ser graças à “malandragem” (precursor do “jeitinho” brasileiro, quem sabe?) da diplomacia Lusa.
Ou, ainda, o tão famoso, quanto mal-conhecido, episódio da troca do “Acre por um cavalo branco”. Quando, em meio às negociações que resultariam na assinatura do Tratado de Ayacucho (1867), o cônsul brasileiro ofereceu ao “Loco” Mariano Melgarejo, então presidente da Bolívia, um lindo casal de cavalos de raça, que de tão feliz ofertou ao Brasil dois dedos de um território demarcado nos, ainda imprecisos, mapas da Amazônia Ocidental. Ganhamos assim um enorme triangulo de terras que, diga-se de passagem, estava situado ao norte da linha de limites oblíqua – que seria mais tarde conhecida como Linha Cunha Gomes - e por isso constitui parte do atual estado do Amazonas e não do Acre, jogando por terra a lenda de que o Acre foi trocado por um cavalo.
E, para terminar a série de “pequenos” exemplos, e não dizer que deixamos de mencionar o “Deus Terminus” das fronteiras brasileiras, como é chamado orgulhosamente pela diplomacia brasileira, o Barão do Rio Branco. Não nos custa lembrar que foi este “genial” diplomata quem mandou sumir com o famoso “Mapa da Linha Verde”, durante as negociações que culminaram com a assinatura do Tratado de Petrópolis (1903), pondo fim à “Guerra do Acre”. Um mapa que comprovava “incontestavelmente” o direito da Bolívia sobre o Acre e que, tão misteriosamente quanto havia sumido, reapareceu algum tempo depois de concluídas as negociações diplomáticas.
Por outro lado, é preciso considerar que a liberação para consulta desses documentos que ainda permanecem secretos pode ser essencial para explicar muitos outros episódios ainda obscuros da história do Acre e do Brasil. Não só os mais antigos, como também aqueles, mais recentes, relacionados à Ditadura Militar. O que é muito bom.
Para nos mantermos apenas nas questões relacionadas ao Acre. Podemos esperar que – com a aprovação desta lei pelo Senado, prevista para o dia 3 de maio, em homenagem ao “Dia Mundial da Liberdade de Imprensa” – finalmente tenhamos acesso ao inquérito militar que apurou as circunstancias da morte de Plácido de Castro, alguns anos após o termino da Revolução. Misteriosos documentos que até hoje não puderam ser consultados nem por pesquisadores do próprio exército. Talvez porque envolvam diretamente o Coronel Gabino Besouro, mais um dentre os muitos militares que foram nomeados para governar o Acre.
Quem sabe, possamos enfim saber se a poderosa Casa Rothschild de Londres, principal credora estrangeira do Brasil, subornou ou não o Presidente Campos Sales para que este reconhecesse que o Acre era da Bolívia e se negasse a atender aos reclames da população brasileira que aqui residia em 1898. O que acabou provocando a Revolução Acreana, segundo me contava meu saudoso amigo Seu Hélio Koury.
Ou, ainda, talvez, nos seja dado o direito de descobrir em que circunstancias o Barão do Rio Branco teve a nefasta idéia de transformar o Acre no primeiro Território Federal da história brasileira, negando aos acreanos o direito a uma cidadania plena, numa maldição que perdurou por quase seis décadas.
Afinal, deveria ser um direito básico de todo e qualquer cidadão brasileiro ter acesso à sua própria história, sob pena do Brasil, mesmo querendo, nunca conseguir ser grande o suficiente para poder ao menos ser suspeito de Imperialista.
Nessas horas em que vejo o Acre, um dos menores estados brasileiros, suscitando os mais inesperados e surpreendentes debates na grande imprensa é que me vejo obrigado a concordar com um dos bordões prediletos do jornalista Silvio Martinello: “O Acre é pobre, mas é enjoado.”
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