quinta-feira, 3 de março de 2011

Meu pitaco

O debate da hora

ou a hora do debate

Confesso que tenho dificuldades para entender muitas coisas.

Até mesmo quando são questões óbvias demoro minutos e até horas procurando um entendimento.

Encaro essas dificuldades como normais.

Nunca fiz teste de QI, mas sei que não é tão elevado como os de doutores e especialistas nas ciências variadas. Se assim fosse, não necessitaria ganhar a vida tentando escrever.

Ultimamente, venho quebrando o quengo pensando sobre as diversas interpretações políticas na novela em que foi transformado o fuso horário do Acre.

Os meus poucos neurônicos têm sofrido.

Desde que o fuso horário foi alterado, em abril de 2008, se passaram horas e horas de uma discussão incessante sobre a alteração.

A gritaria contrária foi maior do que o silêncio de quem concordou. Até o despertar do galo e as ameaças de onças comendo criancinhas foram utilizados como argumentos da turma contrária.

O pessoal contrário gritou, cantou, esturrou.

Quem concordou com a modificação preferiu permanecer quieto. Poucas foram as manifestações em defesa do novo horário.

Parecia que tudo iria se normalizar em outubro do ano passado, quando a maioria dos eleitores acreanos decidiu pelo retorno do antigo horário, em referendo convocado pela Justiça Eleitoral.

Entre ter o horário de Nova York e Brasília, o “enjoado” acreano preferiu ficar mais próximo (ainda que seja no ponteiro do relógio) da metrópole norte-americana.

A restituição do antigo horário (duas horas em relação à Brasília) deveria ter entrado em vigor a partir de janeiro deste ano. Era o que todos esperavam. Mas não foi o que aconteceu.

No Senado da República, o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), não quis chamar a responsabilidade apenas para si. Tratou de encaminhar a matéria para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Raposa velha na política, Sarney logo percebeu o que estava por trás da história. Não quis meter a mão na cumbuca.

A postura do velho político apontou que a questão do fuso acreano não era tão simples como parecia.

A suspeita se manifestou quando foi veiculado na imprensa que a Rede Globo de Televisão e a Associação Brasileira da Emissora de Rádio e Televisão (Abert) estariam influenciando os senadores.

A relatoria da consulta caiu nas mãos de Sérgio Petecão (PMN). Rápido, o senador acreano decidiu pela entrada em vigor do resultado do referendo imediatamente. Era de seu interesse político agir dessa forma.

Antes de se pronunciar, porém, Petecão informou que recebeu visitas de representantes da Globo e da Abert. Revelou também ter recebido telefonema do senador amazonense Eduardo Braga (PMDB).

O relatório de Petecão foi à apreciação da CCJ. Na segunda sessão, a maioria dos senadores foi convencida pelos argumentos de Pedro Taques (PDT-MT) e Demóstenes Torres (DEM-GO).

Taques e Torres mostraram-se favoráveis ao retorno do antigo horário acreano. Alegaram, no entanto, que a medida não poderia ser tomada com base no referendo.

Segundo eles, o referendo foi feito de forma errada. Se decidissem pela entrada em vigor, os senadores simplesmente estariam atropelando a Constituição da República, pois um Decreto Legislativo não pode ser superior a uma lei.

O fuso horário do Acre foi alterado em 2008 por meio de uma lei que tramitou no Senado e na Câmara dos Deputados. Somente outra lei pode alterá-la. Esse é o entendimento jurídico.

Antes de Pedro Taques e Demóstenes Torres, esse questionamento havia sido levantado pelo senador acreano Jorge Viana (PT).

Os argumentos dos senadores foram tão convincentes que deixaram Sérgio Petecão atordoado. O senador-relator ficou sem saber o rumo a tomar. Como um relógio desajustado, retirou a matéria de pauta para entendimento sem ter convicção do que estava fazendo.

É importante fazer o histórico para chegar ao ponto mais importante.

Sérgio Petecão foi um dos maiores defensores do referendo. Fez campanha aberta para a consulta popular. É claro que votou pelo retorno do antigo horário.

Petecão é experiente e sabe a conotação política que o tema tomou. Ele jamais retiraria a matéria de pauta se tivesse convicção de que o referendo foi realizado dentro da legalidade.

Se convicto estivesse, o senador teria se posicionado firme. Usaria os argumentos que dispusesse para tentar convencer os seus pares.

O senador-relator sentiu que estava perdido porque os demais membros da CCJ não queriam consertar uma ilegalidade com outra ilegalidade.

Políticos eleitos pelo voto, os senadores sabem que a vontade do povo é soberana, mas deve seguir o que está escrito na Constituição da República.

É fato concreto que o referendo passou ilegalmente por todas as instâncias. Não houve a devida atenção nem no Congresso Nacional nem na Justiça Eleitoral. É melhor que isso fique bem claro.

Também é fato que o conjunto dos senadores que compõe a CCJ mostrou-se disposto a fazer valer a vontade do povo acreano, desde que siga o caminho da legalidade.

O próprio Pedro Taques destacou que o horário estabelecido em 1913 “leva em conta o ciclo da vida e que foi concebido a partir de uma razão cientifica”.

O que não é verdade é querer imputar a protelação a políticos ligados à Frente Popular e ao PT. Isso é jogo baixo.

O próprio governador Tião Viana, que foi o autor da lei que modificou o horário do Acre e de parte do Amazonas e do Pará, votou favoravelmente pela realização do referendo.

A história tem demonstrado que os petistas acreanos e os seus aliados não são useiros do tapetão para tentar reverter uma situação eleitoral que lhes seja desfavoráveis.

É preciso deixar cristalino que a apresentação de uma nova lei é a única forma de corrigir um erro. É o caminho mais rápido e seguro para garantir a vontade popular.

Vai demorar mais uns dias, mas o que foi decidido será respeitado. A pressa, como ficou patente neste episódio, leva ao cometimento de erros graves. Muitas vezes irreparáveis.

Se o resultado do referendo entrasse em vigor, como querem os mais apressados e que tem interesses políticos não revelados, seria abertas fendas jurídicas gigantescas.

Empresas e cidadãos que sentissem prejudicadas ficariam à vontade para recorrer à Justiça e dificilmente não obteriam êxito. O referendo, é bom que se repita, foi feito de forma equivocada, como frisou Demóstenes Torres.

A aprovação de uma nova lei impedirá que chegue ao Supremo Tribunal Federal enxurradas de Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Esse fato foi alertado pelos senadores.

Bem, passadas as explicações preliminares, vamos às interpretações políticas.

A protelação beneficiará apenas a oposição. Os opositores fizeram do tema uma espécie de segundo turno do processo eleitoral de 2010. É tanto que o deputado estadual calouro Wherles Rocha (PSDB) vibrou com a decisão da CCJ.

Eufórico, o tucano disse: “Desse jeito nós seremos logo, logo governo e você oposição”. O sentimento não é único do parlamentar. É da maioria dos oposicionistas.

Diante de um posicionamento como o de Rocha não o seria de estranhar que o Sérgio Petecão soubesse que estava fazendo a coisa errada, mas manteve a posição para impingir desgaste aos adversários no Acre.

Se o conhecimento técnico e a seriedade de Demóstenes Torres não fossem de domínio nacional, não seria descabido pensar que ele agiu em conluio com a oposição acreana ao argumentar sobre a necessidade da apresentação de um novo projeto de lei.

Torres é oposição ao PT em Brasília e em Goiás. Não tem motivo para se afinar com os petistas acreanos.

A quem interessa o prolongamento desse debate? Essa é a pergunta a ser feita.

Ao PT e aos partidos da FPA é que não.

Como a oposição é a única beneficiadas é pouco inteligentes afirmar que o senador Jorge Viana (PT), membro da CCJ, trabalha contra a vontade popular.

Viana foi eleito prefeito de Rio Branco e duas vezes governador. Chegou ao Senado como o parlamentar mais bem votado da história do Acre. Sabe como poucos o valor de um voto. Seria inábil demais se posicionar contra o que o povo decidiu. E inábil em política é o que menos é.

Ao firmar posição em favor da proposta da apresentação de um novo projeto de lei, Jorge Viana sabia que esse é o melhor e único caminho para que a vontade do povo acreano seja respeitada.

Aprovar simplesmente o referendo significava abrir um labirinto jurídico, que poderia levar anos para os ponteiros serem acertados. Isso precisa ficar claro.

Volto repisar sobre a dificuldade para entender muitas coisas.

Mas há coisas óbvias. Essa é uma delas.

É sentimento comum de que quanto mais a decisão sobre o horário for postergada, mais o PT e a FPA serão desgastados. Serão tachados de todos os adjetivos, menos de democratas.

Se for assim, por que então os governistas trabalhariam contra a entrada em vigor do horário antigo? Não faz o menor sentido pensar dessa forma.

Por menor QI que o ser humano tenha, ele não iria acreditar que um grupo político seria capaz de automutilar perante a sociedade. De cometer suicídio.

Esse pessoal que caminha para 16 anos de governo não chegou ao poder cometendo erros primários. É bom que isso fique claro.

As personagens políticas envolvidas na discussão precisam ser mais claras e jogar mais limpo com a sociedade. É inadmissível que alguns continuem fazendo um discurso em público e agindo ao contrário nos bastidores.

O debate é bem-vindo todas as horas, mas esse debate sobre a nossa hora tem que ser mais sério, levando-se em consideração a vontade popular. Sem politicagem e sem joquinho.


É assim que pensa um sujeito de QI baixo

Em tempo: Fui contra a maneira como o horário do Acre foi mudado. Mas, ao longo do tempo, me acostumei. No referendo votei pela manutenção e fui derrotado. Apesar da derrota nas urnas, sou favorável que a vontade da maioria seja cumprida. Creio que todos os acreanos tenham esse mesmo sentimento.

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