domingo, 27 de fevereiro de 2011

Deu no Globo

'O grande desafio é

romper a bolha de poder'

O Globo

Dos 15 senadores da nova bancada do PT, Jorge Viana (AC) é um dos mais próximos do ex-presidente Lula. Enquanto seus colegas só falam dos acertos do governo Lula e do início promissor da gestão de Dilma Rousseff, o ex-governador do Acre - que estreia no Senado - aponta tropeços cometidos pelo ex-presidente e amigo, como na relação com a imprensa. E manifesta preocupação com a agenda excessivamente palaciana de Dilma que, para ele, precisa romper o que chama de "bolha que se forma em torno de quem assume o poder".

Qual sua avaliação do início de governo Dilma? JORGE VIANA: É um momento novo. O ciclo de oito anos, pela primeira vez, foi ultrapassado pelo mesmo projeto político. E o PT tem pouca experiência em governar mais de oito anos. O único caso é o do Acre. É muito difícil suceder a um governo como o de Lula. Ela está tomando a medida certa, reduzindo o ritmo de funcionamento do governo neste início. O maior erro seria continuar na velocidade que ia.

Quais os desafios da presidente e Dilma? VIANA: O governo Dilma tem dois desafios grandes pela frente. Primeiro terá de definir como será sua interlocução com o Congresso. Na minha opinião, ela terá de ser diferenciada, até porque seus integrantes mudaram e muitos não querem atuar na base do fisiologismo. Portanto, será necessário mais debate político, depois dessa lua de mel inicial. Após uma ação tão intensa do ex-presidente Lula, será necessário definir como será a relação do nosso governo com as pessoas, a sociedade, nos rincões desse país.

'Em muitas situações (Lula) passou do ponto'

Ela tem ficado trancada no Planalto... VIANA: Essa agenda da presidente Dilma está deixando muitas pessoas contentes, mas eu não estou. Acho que o governo está indo muito bem, mas este ainda não é o nosso governo. A presidente está aproveitando esse momento de calmaria para organizar a maneira dela trabalhar essa relação com o povo.

Mas dificilmente alguém conseguirá repetir o sucesso do presidente Lula nessa relação direta com a população. VIANA: Ainda é cedo para fazer uma avaliação do governo Dilma, mas acho que essa mudança ainda virá. Uma das coisas mais importantes de um líder é a sua agenda, e não acredito que agenda da presidente Dilma será de palácio, mas será junto do povo, dialogando com as pessoas, nos mais distantes lugares do país. Acredito que Dilma vai pôr em prática os ensinamentos deixados por Lula, que são fundamentais. O povo brasileiro quer calor humano. Sem isso, o governo fica frio, se encastela no que chamamos de bolha do poder. O grande desafio de quem governa e assume uma liderança no Executivo é romper essa bolha que se fecha em torno de quem assume o poder. Não é através de assessores e nem de amigos, nem de aliados, que a gente rompe, mas criando canais diretos com a população, para não ficar preso às circunstâncias..

Há quem identifique ciúme de Lula com elogios a Dilma. VIANA: Eles se gostam, se respeitam. Pela paixão que tinha pelo que fazia, acho que o Lula está enfrentando muita dificuldade para lidar com a nova vida. Não dá para misturar eventuais dificuldades de adaptação, com dor de cotovelo ou ciúme, porque o sucesso de Dilma é o sucesso de Lula.

Há como explicar a relação tão difícil que o ex-presidente manteve com a imprensa ao longo de oito anos? VIANA: Acho que, se tem um ponto que merece reparo na posição do presidente Lula, que é o maior comunicador que a gente tem de referência, foi de ter estabelecido uma marcação direta com formadores de opinião, com jornalistas e com veículos de comunicação. É óbvio que o presidente Lula e o nosso governo foi vitimado em vários momentos, mas a presidente Dilma está mostrando o melhor remédio para lidar com isso, quando diz que prefere a crítica que passa do ponto - até mesmo a que beira a agressão -, do que o silêncio que o Brasil já experimentou no passado. Acho que Lula tem apreço sim por quem trabalha nessa área, até sua própria formação de liderança dependeu muito de uma boa relação (com a imprensa). Ele estava vivendo quase no piloto automático durante a eleição e, mesmo depois dela, numa excitação permanente, fazendo dez discursos por dia, e em muitas situações passou do ponto.

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