Meu pai, 80 anos
Se eu não tivesse certa facilidade para pôr no papel as palavras, talvez jamais dissesse o que vou dizer agora. Timidez, falta de coragem ou excesso de respeito certamente são os freios que impedem que olhe nos seus olhos e diga o tanto que o admiro.
Esse meu comportamento durante tantos anos pode ser explicado porque é uma das fraquezas humanas deixar para revelar seus sentimentos apenas diante das perdas e ou de momentos de intensa alegria. Preferimos sempre deixar tudo para depois, como se esse depois fosse eterno.
Felizmente, estou tendo a oportunidade de expressar o que sinto num momento de regozijo para nossa família. Hoje, meu pai, é seu 80º aniversário. É um momento para superar bloqueios e revelar sentimentos sem pudores.
Talvez você preferisse que, em vez de escrever, eu sentasse numa cadeira de balanço da varanda e falasse tudo frente a frente. Mas isso eu não consigo de forma alguma. Creio que jamais conseguirei.
Essa timidez atroz não é de hoje. Confesso que já tentei diversas vezes quebrar essa barreira para expressar meu sentimento em relação a você, mas nunca consegui.
Romper com isso, para muitos, até seria fácil. Afinal, quase diariamente entro na nossa casa - a mesma e única casa onde fui criado e de lá só saí casado -, vejo-o sempre sentado na velha cadeira de balanço, mas raramente paro para conversar alguns preciosos minutos.
Sempre prefiro entrar, dirigir-me até a cozinha, mexer nas panelas ou simplesmente deitar no sofá para, calado e pensando nos meus problemas, assistir televisão.
Pai, ao longo da nossa vida, nunca fomos tão próximos. Sempre mantivemos certa reserva um com o outro, como se defendendo de algo invisível. Sei das suas preocupações comigo por meio da mãe. Sempre vi meus irmãos se aproximarem de você, mas nunca tive coragem para tanto.
Talvez por causa desse relacionamento tão distante de você é que procuro sempre me manter perto dos meus filhos. Faço com eles tudo aquilo que gostaria de que você um dia tivesse feito comigo. Gosto de abraçá-los, beijá-los, acompanhá-los e orientá-los em todos os seus passos.
É, meu velho. Sei que a minha vida, pela sua luta, foi mais fácil. Por isso, posso dar às minhas crianças aquilo que não obtive. Você foi seringueiro, estivador, policial e tudo aquilo que era necessário para criar bem os seus. Não temos do que reclamar.
Meu pai, hoje você completa 80 anos de vida. Que idade bela. Eu, no auge dos 39, penso o quanto é bom viver para contar história e ver os filhos crescidos lhe enchendo de netos e bisnetos.
Hoje, quero abraçá-lo e dizer que o amo muito. Você é uma pessoa que aprendeu a lutar desde cedo. Seu rosto é marcado pelas dificuldades. Suas pernas, já não tão firmes pelo peso da idade e das doenças que o acometeram, abriram a estrada para a consolidação da nossa família.
Essa data é para comemorar muito porque poucas são as pessoas que têm o privilégio de chegar a uma idade como a sua. Menos ainda são aquelas que podem se orgulhar de jamais ter trilhado por caminhos tortuosos.
Você, meu pai, mostrou que é possível nascer pobre, crescer pobre e se manter com dignidade. Todos nós somos ricos porque tivermos você e minha mãe como nossos esteios. Dois portos seguros a nos amparar depois de uma viagem cheias de tempestades. Você, Zeca Matias, é o nosso pai-herói.
PS.: Este texto foi escrito em homenagem a José Matias Filho, que hoje completa 80 anos. Nesta mesma data, também comemoram aniversário minha esposa, Carmela Camargo, e minha irmã Maria das Graças.
Nota do editor: Esse artigo foi publicado no jornal Página no dia 16 de abril de 2004. Hoje, faz quatro anos que o meu pai partiu para o andar de cima. A saudade é constante em todos os dias que passo sem ele.
Se eu não tivesse certa facilidade para pôr no papel as palavras, talvez jamais dissesse o que vou dizer agora. Timidez, falta de coragem ou excesso de respeito certamente são os freios que impedem que olhe nos seus olhos e diga o tanto que o admiro.
Esse meu comportamento durante tantos anos pode ser explicado porque é uma das fraquezas humanas deixar para revelar seus sentimentos apenas diante das perdas e ou de momentos de intensa alegria. Preferimos sempre deixar tudo para depois, como se esse depois fosse eterno.
Felizmente, estou tendo a oportunidade de expressar o que sinto num momento de regozijo para nossa família. Hoje, meu pai, é seu 80º aniversário. É um momento para superar bloqueios e revelar sentimentos sem pudores.
Talvez você preferisse que, em vez de escrever, eu sentasse numa cadeira de balanço da varanda e falasse tudo frente a frente. Mas isso eu não consigo de forma alguma. Creio que jamais conseguirei.
Essa timidez atroz não é de hoje. Confesso que já tentei diversas vezes quebrar essa barreira para expressar meu sentimento em relação a você, mas nunca consegui.
Romper com isso, para muitos, até seria fácil. Afinal, quase diariamente entro na nossa casa - a mesma e única casa onde fui criado e de lá só saí casado -, vejo-o sempre sentado na velha cadeira de balanço, mas raramente paro para conversar alguns preciosos minutos.
Sempre prefiro entrar, dirigir-me até a cozinha, mexer nas panelas ou simplesmente deitar no sofá para, calado e pensando nos meus problemas, assistir televisão.
Pai, ao longo da nossa vida, nunca fomos tão próximos. Sempre mantivemos certa reserva um com o outro, como se defendendo de algo invisível. Sei das suas preocupações comigo por meio da mãe. Sempre vi meus irmãos se aproximarem de você, mas nunca tive coragem para tanto.
Talvez por causa desse relacionamento tão distante de você é que procuro sempre me manter perto dos meus filhos. Faço com eles tudo aquilo que gostaria de que você um dia tivesse feito comigo. Gosto de abraçá-los, beijá-los, acompanhá-los e orientá-los em todos os seus passos.
É, meu velho. Sei que a minha vida, pela sua luta, foi mais fácil. Por isso, posso dar às minhas crianças aquilo que não obtive. Você foi seringueiro, estivador, policial e tudo aquilo que era necessário para criar bem os seus. Não temos do que reclamar.
Meu pai, hoje você completa 80 anos de vida. Que idade bela. Eu, no auge dos 39, penso o quanto é bom viver para contar história e ver os filhos crescidos lhe enchendo de netos e bisnetos.
Hoje, quero abraçá-lo e dizer que o amo muito. Você é uma pessoa que aprendeu a lutar desde cedo. Seu rosto é marcado pelas dificuldades. Suas pernas, já não tão firmes pelo peso da idade e das doenças que o acometeram, abriram a estrada para a consolidação da nossa família.
Essa data é para comemorar muito porque poucas são as pessoas que têm o privilégio de chegar a uma idade como a sua. Menos ainda são aquelas que podem se orgulhar de jamais ter trilhado por caminhos tortuosos.
Você, meu pai, mostrou que é possível nascer pobre, crescer pobre e se manter com dignidade. Todos nós somos ricos porque tivermos você e minha mãe como nossos esteios. Dois portos seguros a nos amparar depois de uma viagem cheias de tempestades. Você, Zeca Matias, é o nosso pai-herói.
PS.: Este texto foi escrito em homenagem a José Matias Filho, que hoje completa 80 anos. Nesta mesma data, também comemoram aniversário minha esposa, Carmela Camargo, e minha irmã Maria das Graças.
Nota do editor: Esse artigo foi publicado no jornal Página no dia 16 de abril de 2004. Hoje, faz quatro anos que o meu pai partiu para o andar de cima. A saudade é constante em todos os dias que passo sem ele.
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